Pedro Moreira
Ao propor que policiais que matarem suspeitos não sejam promovidos por merecimento ou bravura enquanto a investigação sobre o incidente esteja em curso, uma resolução do governo federal provoca controvérsia entre autoridades e especialistas em segurança.
A proposta passaria por cima do princípio da presunção de inocência, que protege investigados e acusados. A Secretaria da Segurança Pública (SSP) do Rio Grande do Sul não deverá adotar a medida, mas o assunto também virou polêmica no Estado.
Com caráter de recomendação aos Estados e sem força de lei, a resolução firmada pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República em 21 de dezembro aponta para um posicionamento firme da União em relação ao aprofundamento nas investigações de óbitos resultantes de confronto com a polícia.
A mudança que motivou o documento é a proposta de que as mortes sejam classificadas como "homicídio decorrente de ação policial" em boletins de ocorrência e inquéritos, e não mais como "resistência seguida de morte". Conforme a ministra Maria do Rosário, titular da secretaria, as denominações usadas atualmente em boa parte dos Estados são vagas e permitem que eventuais excessos ou erros de policiais sejam acobertados.
— A resolução não é ao acaso, ela é o começo de uma mudança cultural importante. O fato é que quem prende não pode julgar. Não pode atirar para matar como primeira alternativa — afirma a ministra.
No Rio Grande do Sul, as mortes em confronto com a polícia já são registradas como homicídio e os termos combatidos no documento não são utilizados, conforme o secretário da Segurança Pública, Airton Michels. A proposta da resolução foi criticada pelo articulista Percival Puggina em texto publicado na edição do dia 13 de Zero Hora, que também questiona o porquê de a recomendação não tratar de situações que envolvam a morte de policiais e do "cidadão qualquer". Para ilustrar, Puggina cita o exemplo dos policiais que mataram três assaltantes durante confronto em Cotiporã, no final do ano passado, que teriam de aguardar o desenrolar dos trâmites de investigação para uma eventual promoção.
Proposta pode gerar ação judicial
Presidente da Associação Beneficente Antônio Mendes Filho, que representa os cabos e soldados da Brigada Militar, e também no comando da Associação Nacional dos Cabos e Soldados, Leonel Lucas afirma que a entidade nacional lutará contra o posicionamento do governo federal em relação às promoções:
— Vamos entrar na Justiça contra isso. O policial vai ser prejudicado. Como que tu vais julgar, ele não pode ser prejudicado antes. Daqui um pouco, os Estados aplicam isso, principalmente no Norte e no Nordeste, onde gostam de prejudicar o policial militar. Os policiais militares vão ficar com o pé atrás antes de agir, isso não pode prejudicar a carreira.
O promotor David Medina, coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal do Ministério Público, entende que a resolução é importante por padronizar o registro de morte nacionalmente. Mas questiona o possível excesso em relação às promoções:
— Acho que o trabalho policial tem de ser limitado, ter regras bem definidas, baseadas em referências técnicas. Mas acho que (a resolução) peca na questão do afastamento imediato e a impossibilidade de concorrer a promoção. Se existe pessoa que tem mais probabilidade de matar é o policial. De todas as profissões, é a que está mais sujeita a esse tipo de situação.
Advogado Criminalista e Professor de Direito Penal da PUCRS, Rafael Canterji entende que o bom policial será o maior protegido pela garantia de investigação, uma vez que haverá provas de que o trabalho técnico foi bem desempenhado.
— Mas discordo da regra geral que impossibilita a participação do policial na promoção — avalia Canterji.
Ressaltando apoiar, de modo geral, a nova resolução, o secretário Airton Michels diz que o Estado não tem interesse em aplicar a mudança:
—Temos o princípio constitucional da inocência, até que se prove o contrário, só uma investigação em andamento não é o suficiente para impedir promoção.
Entrevista: Maria do Rosário Titular da Secretaria Especial dos Direitos Humanos
"Hoje fica mais difícil identificar o mau policial"
Uma medida para preservar o trabalho do bom policial. Assim a ministra Maria do Rosário, titular da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, resume a intenção da resolução que recomenda a abolição de termos como autos de resistência e resistência seguida de morte de boletins de ocorrência, registros policiais, inquéritos e notícias de crime. A ministra falou, por telefone, com Zero Hora. Confira:
Zero Hora — Há um descontrole sobre como ocorrem as mortes em confronto com a polícia no Brasil?
Maria do Rosário — Existe uma necessidade de que as informações sejam claras e de que toda a situação seja investigada. Há circunstâncias em que os policiais na defesa da vida ou de outras vidas podem vir a cometer situações que levem ao óbito, mas existe uma banalização desse tipo de registro como resistência. A forma como é registrado permite que haja abuso desse expediente.
ZH — Mudar a forma como uma morte em confronto com a polícia é registrada vai levar a alguma mudança prática na atuação das polícias?
Maria do Rosário — Isso soma para polícias que têm como principal intenção preservar a vida e que consigam separar aqueles policiais que não agem nesse sentido.
Zero Hora — Como a senhora recebe críticas como a de que a resolução limita o trabalho do policial e acaba "protegendo" o criminoso?
Maria do Rosário — É exatamente o contrário. A resolução prevê uma polícia mais técnica, capaz de responder pelos seus atos. Hoje, qualquer morte pela polícia é registrada como confronto, fica mais difícil identificar um mau policial. A resolução favorece os bons policiais e a população.
ZH — Um dos pontos da resolução é que policias envolvidos em mortes de supostos criminosos não poderiam participar de processos de promoção por merecimento ou bravura.
Maria do Rosário — Isso vai ajudar a agilizar a resolução dos fatos. Para que os policiais não se sintam prejudicados em suas promoções, as corregedorias terão de agir com rapidez. Eu lido com realidades em que aqueles que mais matam têm mais promoções. Isso é inadequado, a polícia deve preservar a vida. Deve estar esclarecido que, de fato, cometeu o óbito para defender a sua vida ou a vida de alguém, nos termos da lei.
ZH — Outro ponto é que os policiais terão de ser afastados até o final da investigação. Isso não é inviável, considerando os problemas de efetivo o tempo de investigação das corregedorias?
Maria do Rosário — Não são muitos os policiais que matam, é uma exceção, tem de ser exceção. Isso vai preservar o policial, que é um ser humano.
ZH — Representantes da chamada "linha de frente", como batalhões de operações especiais e de choque, foram ouvidos durante a discussão da nova resolução?
Maria do Rosário — Houve um período de consulta pública, ficou um bom período na internet. Estamos trabalhando para criar uma comissão de Direitos Humanos dos policiais. Já foi aprovada, e a ideia é que até março estejamos com essa comissão instalada.
ZH — Há resistência por parte das polícias e dos órgão responsáveis pela segurança para aplicar essa resolução?
Maria do Rosário — Claro que há, mas enfrentamos isso muito seguidamente, as resistências às políticas de Direitos Humanos. O que trabalhamos é para preservar direitos. A resolução não é ao acaso, ela é o começo de uma mudança cultural importante. O fato é que quem prende não pode julgar. Não pode atirar para matar como primeira alternativa.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Só podia vir de autoridades alienadas e burocratas que não sabem nada da rotina policial, desconhecem as causas da criminalidade, colocam o direito individual acima do interesse público e defendem criminosos ao invés de defender os direitos à vida, à saúde e ao patrimônio do cidadão de bem, de policiais, de juízes, de promotores de justiça e de agentes prisionais que operam num submundo em ações e processos de justiça criminal onde o risco de morte é uma linha muito fina que sustenta a vida e depende do preparo, da atenção, da sorte, das circunstâncias emocionais, dos instrumentos, dos equipamentos de segurança e de decisões de inopino no calor dos fatos, muitas vezes envolvendo armas de guerra e locais urbanos dominados por facções.
A propósito: diante de uma justiça que centraliza o transitado em julgado nas cortes supremas em Brasília, quando é que este policiais serão absolvidos para a devida e justa promoção?
Há século, a justiça criminal abandonou as forças polícias; há décadas fracionaram as polícias dividindo o ciclo; Há anos proibiram o uso das algemas; há meses tiram direitos e salários dignos; há dias inutilizam os esforços contra o crime; e agora querem tirar o espírito de bravura e heroísmo dos policiais. O Estado está entregando a motivação e a vida dos policiais, falta entregar o Brasil para a bandidagem.
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